O professor Ulysses Cavalcanti foi um dos especialistas consultados pela Folha de Pernambuco em matéria publicada no portal do jornal, em 1/02/2024. Confira trecho da reportagem
Para especialistas, sociedade precisa aprender a lidar com os efeitos da mudança do clima, que é antropogênica (ou seja, causada pelo ser humano)
Por Fabio Nóbrega
Folha de Pernambuco
Trinta e um graus Celsius negativos. Essa foi a sensação térmica que torcedores de Kansas City Chiefs e Miami Dolphins precisaram enfrentar para assistir à partida entre as duas equipes pela National Football League (NFL), em 13 de janeiro.
A baixíssima temperatura daquela noite de sábado aconteceu durante uma onda de frio que assola boa parte dos Estados Unidos, do Canadá e de países europeus e deu ao jogo o gelado título de quarto mais frio da história do torneio de futebol americano.
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Horas antes da partida, vídeos compartilhados nas redes sociais trazem algumas imagens desse extremo climático. Em uma das gravações, um caminhoneiro mostra uma estrada no Kansas, no meio-oeste dos Estados Unidos, tomada por neve de todos os lados, e a força do vento, que faz o gelo se espalhar pela via.
No jogo, torcedores precisaram se agasalhar muito bem — a recomendação mais importante era para proteger as extremidades do corpo, mais vulneráveis às temperaturas congelantes.
A onda de frio é mortal nos Estados Unidos: pelo menos 70 pessoas morreram devido aos efeitos das baixas temperaturas. Cidades registraram recordes negativos, como Dillon, em Montana, que bateu -41ºC. E o frio não congela apenas os Estados Unidos: a Suécia anotou quase -44ºC e o Canadá, -50ºC.
Os extremos climáticos, eventos considerados de grandes proporções, que, geralmente, fogem às médias históricas, acontecem de forma abrupta e até inesperada. Esses extremos têm causado impactos significativos em diversas regiões do mundo, desencadeando fenômenos intensos, como furacões, enchentes e fortes ondas de calor e de frio.
Eventos desse tipo costumam causar interrupções e mudanças bruscas no funcionamento normal de uma comunidade, afetando o seu cotidiano.
Os efeitos incluem perdas humanas, materiais e econômicas. A crescente frequência e intensidade desses extremos apontam — ainda mais seriamente — para a urgência de ações globais para lidar com as mudanças climáticas e fortalecer a resiliência das sociedades diante desses desafios impostos.
Mas, se o aquecimento global é um conceito falado há anos pela comunidade científica e o planeta vem de um 2023 considerado o ano mais quente da história, com ondas de calor escaldantes de até 50ºC (positivos) em diversos países e temperaturas de deserto em grandes metrópoles, como podemos testemunhar esses eventos na outra extremidade do termômetro?
Nesse contexto, é importante pensar e deixar claro que o frio recorde não é um argumento plausível para negar o aquecimento global, como pondera o cientista e professor do Departamento de Botânica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Ulysses Paulino de Albuquerque, coordenador da Resiclima, rede voltada para estudos sobre mudanças climáticas que envolve pesquisadores de várias instituições do Brasil e do planeta.
“O clima é um fenômeno extremamente complexo e essa é uma abordagem multifacetada. Enquanto em algumas regiões, a gente pode estar presenciando o aquecimento generalizado das águas, isso leva a alterações em correntes atmosféricas oceanográficas em larga escala que promovem, por exemplo, ondas de frio intenso em outras regiões. Está tudo conectado”, explica o professor.
“A gente vai ver cada vez mais chuvas intensas, frios intensos, ondas de calor intensas como a gente está vivendo aqui agora”.
Ulysses Paulino de Albuquerque também projeta que os extremos serão mais frequentes e intensos nos próximos anos.
“A tendência, pelos estudos e modelos climáticos, é que eles se tornem mais frequentes e intensos nos próximos anos. Isso implica em dizer que não há mais como remediar. A tendência agora é a gente ter que aprender a nos adaptar e a conviver com esses eventos. Não tem como retornar ao que era. Vamos ter que aprender porque esses eventos foram ocasionados pelas atitudes humanas, tanto que a gente fala em mudanças climáticas antropogênicas — ou seja, motivadas pelo seres humanos”, alerta o professor Ulysses.
A título de exemplo, o pesquisador cita que o Recife é uma das capitais do mundo mais ameaçadas pelos efeitos das mudanças climáticas. Essa “cidade aquacêntrica de alguns milhões de habitantes” é a 16ª mais vulnerável do mundo ao avanço do mar, segundo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado em agosto de 2021.
“Pequenas alterações na temperatura podem fazer com que o Recife fique debaixo d’água. É uma das capitais do mundo mais ameaçadas pelas mudanças climáticas. Ou seja, é urgente que a gente tenha medidas para nos adaptar a essas mudanças, que serão mais intensas, mais frequentes e com impactos muito diversos”, completa o especialista.
E quais os impactos dos extremos? Os impactos das mudanças climáticas e seus extremos vão além daqueles que são mostrados rotineiramente no noticiário, como alagamentos, deslizamentos de barreira e grandes incêndios. O professor Ulysses indica que as implicações também se darão na saúde e na alimentação, por exemplo.
Doenças que não existem em determinadas regiões podem surgir a partir de pequenas alterações na temperatura ou na intensidade de chuvas:
“A gente, aqui no Nordeste, não tem que lidar com malária, por exemplo, mas a tendência é que a malária venha se aproximando cada vez mais do Nordeste por conta desses eventos climáticos e a gente não tem, aqui na região, a experiência e a expertise da região Norte do País par lidar com essa enfermidade”, pondera Ulysses Paulino, que completa: “Temos um desafio imenso pela frente, não tem como tapar os olhos, não tem como a gente lidar com isso a não ser encarando por meio de políticas públicas de conscientização climática”.
Para o pesquisador, o problema não pode ser resolvido de forma individual, mas ampla, envolvendo os diversos atores que formam a sociedade — inclusive rechaçando ideias negacionistas acerca do tema. “Eu não consigo ver como um problema que se resolve de forma individual, ele precisa ser hierarquizado. É preciso que se vejam estratégicas que sejam políticas para que possamos lidar com isso”, pontua.
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