Paul Crutzen propôs originalmente que o Antropoceno começou na última parte do século 18, como um produto da era industrial
Por Erle C. Ellis, University of Maryland, Baltimore County
Quando as pessoas falam sobre o “Antropoceno”, geralmente imaginam o enorme impacto que as sociedades humanas estão tendo no planeta, desde o rápido declínio da biodiversidade até o aumento da temperatura da Terra pela queima de combustíveis fósseis.
Essas enormes mudanças planetárias não começaram de uma só vez em um único lugar ou momento.
É por isso que foi controverso quando, após mais de uma década de estudo e debate, um comitê internacional de cientistas – o Grupo de Trabalho do Antropoceno – propôs marcar o Antropoceno como uma época oficial na escala de tempo geológico começando precisamente em 1952. O marcador foi a precipitação radioativa dos testes da bomba de hidrogênio.
Em 4 de março de 2024, no entanto, a comissão responsável pelo reconhecimento de unidades em nosso período mais recente do tempo geológico – a Subcommission on Quarternary Stratigraphy (Subcomissão para Estratigrafia do Quaternário) – rejeitou essa proposta, com 12 dos 18 integrantes votando “não”. Esses são os cientistas mais especializados em reconstruir a história da Terra a partir das evidências nas rochas. Eles determinaram que o acréscimo de uma Época do Antropoceno – e o término da Época do Holoceno – não era apoiado pelos padrões usados para definir as épocas geológicas.
Essa votação, porém, não tem relação com a evidência esmagadora de que as sociedades humanas estão de fato transformando este planeta.
Como ecologista que estuda mudanças globais, participei do Grupo de Trabalho do Antropoceno desde seu início, em 2009, até 2023. Pedi demissão porque estava convencido de que essa proposta definia o Antropoceno de forma tão restrita que prejudicaria uma compreensão científica e pública mais ampla da questão.
Ao vincular o início da “era humana” a um evento tão recente e devastador – a precipitação nuclear -, essa proposta corria o risco de semear a confusão sobre a história profunda de como os seres humanos estão transformando a Terra, desde as mudanças climáticas e as perdas de biodiversidade até a poluição por plásticos e o desmatamento tropical.
A ideia original do Antropoceno
Nos anos que se seguiram à criação do termo Antropoceno pelo químico atmosférico Paul Crutzen, ganhador do Prêmio Nobel, em 2000, ele passou a definir cada vez mais nossa época como uma era de transformação planetária causada pela Humanidade, desde a mudança climática até a perda da biodiversidade, a poluição plástica, os megaincêndios e muito mais.
Crutzen propôs originalmente que o Antropoceno começou na última parte do século 18, como um produto da era industrial. Ele também observou que definir uma data de início mais precisa seria “arbitrário”.
De acordo com os geólogos, nós, humanos, estamos vivendo na época do Holoceno há cerca de 11.700 anos, desde o fim da última era glacial.
As sociedades humanas começaram a influenciar a biodiversidade e o clima da Terra por meio da agricultura milhares de anos atrás. Essas mudanças começaram a se acelerar há cerca de cinco séculos com a colisão colonial do Velho e do Novo Mundo. E, como observou Crutzen, o clima da Terra realmente começou a mudar com o uso crescente de combustíveis fósseis a partir da Revolução Industrial, que teve início no final dos anos 1700.
O Antropoceno como uma época
A justificativa para propor a definição de uma Época do Antropoceno com início por volta de 1950 veio da evidência esmagadora de que muitas das mudanças mais importantes da era humana se aceleraram fortemente por volta dessa época, em uma chamada “Grande Aceleração”, identificada pelo cientista climático Will Steffen e outros.
Radioisótopos como o plutônio dos testes de bombas de hidrogênio realizados por volta dessa época deixaram traços claros em solos, sedimentos, árvores, corais e outros registros geológicos potenciais em todo o planeta. O pico de plutônio nos sedimentos do Lago Crawford, em Ontário, Canadá, escolhido como o “pico dourado” para determinar o início da Época do Antropoceno, está bem marcado em registros excepcionalmente claros nos sedimentos do leito do lago.
O Antropoceno está morto; viva o Antropoceno
Então, por que a Época do Antropoceno foi rejeitada? E o que acontece agora?
A proposta de adicionar uma Época do Antropoceno à escala de tempo geológico foi rejeitada por vários motivos, nenhum deles relacionado ao fato de que as sociedades humanas estão mudando este planeta. De fato, o oposto é verdadeiro.
Se há um motivo principal pelo qual os geólogos rejeitaram essa proposta é porque sua data recente e profundidade rasa são muito estreitas para abranger as evidências mais profundas das mudanças planetárias causadas pela Humanidade. Como o geólogo Bill Ruddiman e outros escreveram na revista Science em 2015, “Será que realmente faz sentido definir o início de uma era dominada pelo homem milênios depois que a maioria das florestas em regiões aráveis foi cortada para a agricultura?”.
As discussões sobre a Época do Antropoceno ainda não terminaram. Mas é muito improvável que haja uma declaração oficial da Época do Antropoceno em breve.
A falta de uma definição formal da Época do Antropoceno não será um problema para a ciência.
Uma definição científica do Antropoceno já está amplamente disponível na forma de Evento Antropoceno, que basicamente define o Antropoceno em termos geológicos simples como “um evento complexo, transformador e contínuo, análogo ao Grande Evento de Oxidação e outros no registro geológico”.
Portanto, apesar do “não” à Época do Antropoceno, o Antropoceno continuará a ser tão útil quanto tem sido há mais de 20 anos para estimular discussões e pesquisas sobre a natureza da transformação humana deste planeta.
Erle C. Ellis, Professor of Geography and Environmental Systems, University of Maryland, Baltimore County
This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.
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