O papel da psicologia na comunicação sobre as questões climáticas
O psicólogo e pesquisador Mauro Silva Júnior conversou com Caio Rux Pirandelli, do podcast Universo Generalista, sobre as mudanças climáticas e sua relação com a psicologia. Abaixo, seguem trechos da primeira parte da entrevista
Por Caio Rux Pirandelli
Hoje seguimos com a série especial de episódios, que é uma parceria entre o Universo Generalista e a Rede Resicima. Essa é a quinta e última entrevista com pesquisadores ligados à rede, onde exploramos diversas temáticas em torno das mudanças climáticas.
Nesta quinta entrevista, falei com o psicólogo e pesquisador Mauro Silva Júnior. Exploramos as mudanças climáticas e sua relação com a psicologia. Mauro falou sobre a percepção de risco dos indivíduos em relação às mudanças climáticas e como a psicologia evolucionista ajuda a entender os fatores que podem afetar essa percepção.
Discutimos a influência das diferenças individuais e das ideologias políticas na percepção das mudanças climáticas. Abordamos as pesquisas em torno do rotoritarismo de direita e de esquerda. E por fim, discutimos sobre a importância da psicologia para traçar estratégias mais efetivas na comunicação sobre mudanças climáticas com a população.
Mauro é professor adjunto do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília e professor orientador nos níveis de mestrado e doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciências do Comportamento, doutor e mestre em Teoria e Pesquisa do Comportamento pela Universidade Federal do Pará, psicólogo e bacharel em Psicologia pela mesma instituição.
Então eu queria que você falasse um pouquinho sobre o que são as mudanças climáticas e por que o tema tem importância para a sua área, que é a psicologia?
Acho que a gente pode definir genericamente mudanças climáticas como transformações nos padrões do clima e da temperatura que acontecem em escala global. Essas transformações podem acontecer por eventos naturais, mas desde o século 18 elas têm sido promovidas principalmente pelas atividades humanas, como por exemplo a queima de combustíveis fósseis, que quando lançados na atmosfera eles aquecem a temperatura do planeta.
Essas transformações são importantes para a psicologia, para a sociedade como um todo, porque tais mudanças têm o potencial de impactar outros eventos de grande escala, como por exemplo derretimento de calotas polares, tempestades mais frequentes, enchentes mais frequentes, ondas de calor que a gente vê, por exemplo, no Brasil inteiro, a gente acabou de passar por uma, houve aquelas no final de 2023, então ela tem esse potencial de provocar outros grandes eventos.
E por que isso é importante para a psicologia?
Porque apesar da gente ter muito claro agora que essas mudanças são reais e os efeitos que estão acontecendo, a gente não experimenta as mudanças climáticas diretamente, a gente experimenta por meio desses eventos que ocorrem após o aquecimento.
Então, considera-se que as mudanças climáticas são lentas, cumulativas e invisíveis, justamente porque a gente não entra em contato com elas diretamente. Uma vez que a gente não entra em contato diretamente com elas, pode surgir dúvidas se de fato elas existem, não no campo acadêmico, porque eu acho que isso já está bem estabelecido, mas na sociedade mesmo.
E as pessoas podem não estabelecer a conexão entre o que está acontecendo, quais são as causas e os efeitos e como seu comportamento pode influenciar ou para potencializar ou para mitigar essas mudanças climáticas.
Então acho que a psicologia ajuda a gente a compreender como é que as pessoas percebem a mudança climática e como é que elas acreditam, adotam comportamentos que possam mitigar esses efeitos ou não.
Gostaria que você falasse um pouquinho também sobre a Rede Resiclima e a sua atuação enquanto psicólogo dentro dela também, que eu acho que vai conectar com essa, com o que você falou até agora também.
A Resiclima é uma idealização do Ulisses Albuquerque. Ele é professor lá na Federal de Pernambuco e a gente já fazia parte de uma rede de contatos e aí ele convidou alguns pesquisadores, eu incluído, para compor esse grande projeto, que é um projeto que envolve várias universidades em várias regiões do país. Estamos interessados em compreender as mudanças climáticas, seus efeitos e principalmente os efeitos no comportamento, no comportamento humano.
Vamos lançar uma série de pesquisas experimentais, estudos observacionais, estudos correlacionais, para investigar os efeitos sobre o comportamento humano. E o Ulisses me sugeriu ficar responsável, coordenar o braço responsável pela, por investigar as influências do comportamento político sobre a crença e a aceitação das mudanças climáticas.
É interessante isso, porque a gente está com essa questão política muito em voga ultimamente, nas últimas décadas, por causa de vários movimentos que a gente sabe que têm influenciado tanto a política em escala global, por exemplo, Brexit, e eleições de candidatos de extrema direita no Brasil e fora do Brasil.
Essa questão política está muito em voga. A gente está falando de polarização política, a gente está falando de fake news, teorias da conspiração. Então isso está influenciando bastante o comportamento da sociedade hoje em dia.
E existe também uma grande literatura que mostra o papel das crenças relacionadas às ideologias políticas na aceitação das mudanças climáticas e o quanto as pessoas estão dispostas a mudar o seu comportamento para mitigar esses efeitos.
Esse aspecto vai ser coordenado por mim, mas é óbvio que ele tem a participação de outros professores, de estudantes de doutorado, de mestrado, graduação.
Eu queria que você falasse um pouquinho da importância da gente levar em consideração ou dos dobramentos da gente levar em consideração essas perspectivas mais psicológicas na hora da gente formular algum tipo de comunicação, algum tipo de política pública frente às mudanças climáticas, né. Eu queria que você falasse um pouquinho sobre isso, sobre a influência que pode ter a área e também o que pode acontecer se a gente ignorar esses conhecimentos da área também ao fazer esse tipo de intervenção ou esse tipo de interação com a sociedade.
Então, existem propostas de que trabalhar contra esses vieses cognitivos, essas heurísticas ou oferecer elementos mais ricos para as pessoas. Só que, por outro lado, veja como é complexo.
O fato de você oferecer informações mais precisas não necessariamente vai mudar o comportamento das pessoas pelos motivos que a gente já falou, né. O viés de confirmação é um deles e tal. E as questões políticas. Então, assim, eu acho que seria interessante nós discutirmos, tanto na academia quanto na sociedade, de que as pessoas não são necessariamente massas de manobra.
Elas têm interesses, elas têm uma agenda e elas vão caminhar em direção a satisfazer essas agendas delas. Pode ser incoerente do nosso ponto de vista? Pode ser, mas para ela não. Então, assim, tem trabalhos que têm demonstrado que você oferecer mais informação precisa tem um efeito contrário.
Sim. Se a pessoa tem um nível, por exemplo, baixo de aceitação às mudanças climáticas, quanto mais você der informação para ela, mais ela vai voltar, mais se reativa, né. Mas, por exemplo, para pessoas que têm muito conhecimento, mais informação tem um efeito esperado.
Mas para as pessoas que têm menos, nem tanto. Então tem essa questão de que os fatos não alteram a percepção das pessoas ou o comportamento delas. E aí vem uma outra abordagem, que é você trabalhar as informações de modo que elas estejam alinhadas com o que as pessoas estão mais dispostas a funcionar.
Então, sabendo que conservadores, por exemplo, se preocupam mais com a questão da nacionalidade, com a questão da família, dos grupos aos quais eles pertencem, da religião. Se você enquadra a informação desse modo, você aumenta a probabilidade de eles adotarem comportamentos mais pró-sociais.
Isso não pode ser confundido com você concordar ou não com a forma como a pessoa pensa. Mas o que importa é você convencer a pessoa a aderir a comportamentos que vão ter efeitos individuais e coletivos.
Eu acho que isso que importa mais do que se eu concordo ou não com o que a pessoa pensa politicamente. E não é uma mentira também, é uma estratégia. Tipo assim, vai afetar, vai ter impactos, é só simplesmente como você manobra a comunicação, como você faz a comunicação, que mudaria de acordo com o grupo.
Mas não é uma questão de manipular, não é uma mentira, é simplesmente… Então só para não confundir com isso, é mais a estratégia de comunicação, não deixa de ser verdade, só que vai ter uma atenção maior desses grupos porque você está tendo uma outra abordagem que tem uma conexão emocional maior com esses grupos.
Isso inclusive vai ao encontro do que alguns psicólogos evolucionistas têm dito sobre intervenções de um modo geral. Algumas intervenções relacionadas ao bullying no contexto escolar, são mais bem-sucedidas do que outras e quando se analisa por que, elas vão mapear ou tocar naquelas questões relacionadas ao status, relacionadas ao altruísmo, relacionadas aos parentes, você oferece modelos para as pessoas.
Por exemplo, é muito importante você ter figuras influentes dentro dos grupos, porque essas pessoas influentes, elas servem de modelo para os outros. Então, se você consegue que essa pessoa esteja do seu lado, ela consegue influenciar os seguidores.
Qual é a lógica? Ao invés de você trabalhar contra essas predisposições, essas motivações das pessoas, você trabalha a favor delas, você usa elas para que a sua comunicação seja mais efetiva. Ao invés de você ficar brigando ali, não, deixa de ser conservador.
Não sei se isso funciona, né? Sim. Eu acho que, inclusive, um último tema aqui, eu acho que é essa questão de vieses que afetam divulgadores científicos, né? Se a gente ignorar esses fatores, a comunicação que a gente quer fazer ou o público que a gente quer alcançar não vai ser tão grande quanto a gente esperaria, né?
Às vezes, achar que a gente tem que fazer o conservador ser mais progressista, às vezes, não é uma boa ideia porque, enfim, é uma questão biológica ali, é uma questão do indivíduo que é muito difícil alterar, né? Você pode modular, talvez, mas talvez nem seja possível mudar aquele indivíduo.
Você vê isso também como importante para a divulgação científica como um todo, não só para políticas públicas, mas na hora de comunicar as questões climáticas também? Sim. É engraçado, né? Porque, assim, eu me identifico muito como de esquerda, como progressista, sabe?
Mas eu não posso, por conta disso, deixar de perceber que eu tenho meus vieses. Justamente todo esse conhecimento me diz assim, olha, os conservadores, talvez, eles vão pior nesse aspecto das mudanças climáticas, mas quem é progressista tem mais vieses aqui, né?
Então, assim, eu busco fazer esse autoexame, né? O que eu estou falando? Está carregando esses vieses? Então, assim, isso é importante dentro da academia, quando eu sou professor, eu dou aula de psicologia para graduação, para pós-graduação, eu oriento os estudantes, a gente discute questões políticas, né?
Muito frequentemente, a universidade é esse espaço que tem essa possibilidade e, frequentemente, acho que você vai concordar comigo. Tem estudos que mostram isso, inclusive, que o espaço acadêmico, embora tenha um pouco de tudo, ele tende a ser um pouco mais progressista, um pouco mais de esquerda.
Geralzão, falando em termos gerais, né? Sim, sim. Então, assim, acho que é importante a gente estar atento a isso. E eu acho que, com certeza, como existem divulgadores científicos que estão fora da academia, ou que são da academia, que estão fazendo esse diálogo com a sociedade, acho que a gente deve ter esse olhar de que não existe ninguém que enxerga a realidade como ela é e é isso e acabou.
A gente tem que ter um pouco mais um pé no chão, assim, e ser mais… E, assim, se a ideia é atingir o grande público, que a gente diminua as barreiras para chegar no grande público. Você não vai mudar sua orientação política por causa disso, mas você pode mudar sua comunicação, a forma como você fala determinados assuntos, né?